Fotos que contam histórias

Spathi
Insecta

A asa da borboleta – Leptotes cassius

A Cassius azul é uma pequena borboleta que ocorre em grande parte do continente americano. Quando pousam, mantém suas asas fechadas e, nessa posição, seu tamanho pouco passa de um centímetro.

Apesar de pequenas, o contraste entre o branco e as manchas escuras de suas asas atraem o olhar. O mosaico das manchas lembram listras, que aparecem também bem marcadas no abdome e antenas. Mas quando a pequena se lança em voo, tons azulados parecem juntar-se ao branco e preto. Digo parecem porque seu voo é tão rápido que é quase impossível acompanhá-lo e mais difícil ainda ver suas cores.

Abaixo, uma Leptotes cassius em sua postura habitual:

E aqui, o vento brevemente desnudou uma pequena parte da superfície dorsal da asa, onde se vê tons arroxeados:

Bem, conseguir ver toda a superfície dorsal seria um bom passo para tentar identificar o gênero da pequena borboleta, até então desconhecido. Fazer fotos em pleno voo e contar apenas com a sorte para que alguma saísse com as asas abertas não parece promissor, a não ser que conseguisse fazer muitas fotos por segundo…

Como isso é exatamente o que faz uma filmadora, então esse parece ser um bom caminho a seguir. Uma filmadora que capture em NTSC faz 30000 quadros em 1001 segundos (~30 quadros por segundo). Mas cada quadro é formado por duas imagens distintas (campos entrelaçados, metade da resolução), o que nos dá ~60 fotos por segundo. Nada mal!

Mas 1/60 s não parece ser um bom tempo de exposição para algo tão rápido quanto o bater das asas de uma borboleta. Teríamos que pensar em 1/500 s ou menos. Filmadoras com bons recursos permitem ajustes de velocidade de obturador. Quando esse não é o caso, talvez possa contar com o ajuste automático da filmadora e inundar o ambiente de luz na expectativa de que ela reduza a exposição. E não é que funcionou?!

A filmagem original, redimensionada. Note o entrelaçamento dos campos (linhas horizontais na imagem):



Transformando os campos em quadros (separar os campos, redimensionar para manter o aspecto), o vídeo passará a ter o dobro de quadros do original. Se mantivermos a mesma taxa de quadros do original (30000/1001 fps), teremos agora um slowmotion (redução de 50% da velocidade original):

Um trecho do mesmo vídeo acima, apresentado em 3 quadros por segundo (~1/20 da velocidade do original):

Nossa estratégia surtiu efeito. Observe que em três momentos a Cassius azul foi capturada com as asas abertas. Isolando um desses quadros, temos nosso instante desejado:

De posse dessas imagens e dos infindáveis recursos da internet, temos nossa identificação: é uma Leptotes cassius fêmea (Cassius Blue, Tropical Striped Blue). Se fosse um macho, teríamos um azul mais marcante na face dorsal.


Libélula (donzelinha)

Há seis meses, quase noite, encontrei uma delicada libélula pousada em um pequeno ramo de roseira.

Quando não sabemos se o que queremos fotografar ainda estará lá para uma segunda ou mais exposições, em geral as fotos iniciais são apenas para termos algum registro do momento. A idéia é começar com fotos de longe, para não espantar o precioso motivo, ainda mais quando esse tem asas!

E essa foi tão rápida que a segunda foto mostrou apenas o ramo da roseira. Fiquei apenas com a primeira foto que, bem, não passou mesmo de um registro…

Seis meses depois, já nos avançados momentos do entardecer, vejo o voo sorrateiro da libélula que, passando sobre a superfície de água do aquário, procura a ponta de um ramo qualquer, talvez para pernoitar.

Impressiona a precisão do trajeto. Linear. Calmo. A fraca luz, a água, o puro negro recortado por verde e azul da libélula em seu voo silencioso. Um instante de perfeição. O desejo de fotografar não é inadiável.

Às vezes o que precisamos é apenas aguardar.


O ângulo da foto (perfil) gerou um efeito curioso sobre os olhos da libélula, que mesmo sendo grandes passam despercebidos. A linha que separa a coloração preto/verde atravessa horizontalmente a região dos olhos quase pelo meio. Se observar bem, o olho esquerdo da libélula aparece como uma “gota” (desfocada) cuja metade superior é preta e a inferior é verde.

É uma Ischnura sp., ordem Odonata – compreende as libélulas (Epiprocta“dragonflies”) e “donzelinhas” (Zygoptera “damselflies”) – família Coenagrionidae. Dentre as diferenças, as donzelinhas são menores, possuem os olhos separados e assumem a postura com as asas junto ao abdome quando pousadas.

Avançando um pouco mais, considero tratar-se de um macho da espécie Ischnura capreolus.

Mais:

Biodiversity and Ecosystem Informatics Lab, University of Massachusetts

Dados

Macho
Fêmea

Foto (macho):

Voar é com as borboletas

Já faz um ano. Uma velha conhecida voltou a rondar as flores da Senna.

É o final do outono.

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A postura de um gafanhoto

É difícil que se passe um minuto sem que algo notável aconteça ao redor.
As chances aumentam quando o verde está por perto. Mesmo que seja escasso.

Algo um pouco maior voou e chamou a atenção. Um pequeno espetáculo teria início. Quando peguei a câmera para acompanhar, não fazia a menor do idéia do que observaria…

Pousado em uma roseira, lá estava um enorme gafanhoto.
Visto assim, passa despercebido que falta-lhe uma perna: o grande fêmur esquerdo que usa para saltar.

Engraçado como muitos insetos promovem uma balançar junto com o vento. Mimetizam assim o comportamento das folhas. Mas esse estava meio inquieto e logo começou a descer pelo ramo principal da roseira. Tarefa um tanto atrapalhada, talvez pela ausência de uma das pernas.

Ficou claro que estava tentando algo quando desceu até o solo do vaso. Rapidamente, começou a escavar o solo com a parte terminal do abdome. O gafanhoto é uma fêmea. E estava cumprindo a tarefa de perpetuar a espécie através da postura.

Não demorou muito para parecer enterrar-se.




Após a postura, a fêmea deixa o ninho lacrado.


E sobe para uma “pequena” refeição antes de partir.

Se tiver a mesma sorte, talvez consiga registrar a eclosão de muitos mini-gafanhotos…

Será um Schistocerca?

Tem semelhanças (veja Schistocerca cancellata e também o padrão no final da asa do Schistocerca americana). Se assim for, este é o mesmo gênero dos gafanhotos da oitava praga do Egito (Êxodo).

Breve, colocarei aqui o link para um vídeo onde registrei grande parte da oviposição.


A visita do polinizador “rei”

Bastou a Senna abrir as primeiras flores do ano para que um dos mais famosos polinizadores surgisse com suas visitas constantes.

Não são apenas famosos. São importantes polinizadores de várias espécies. Do maracujá é o principal.

Se procurar bem, poderá ver ainda ao menos dois outros insetos escondidos entre folhas e flores. Essa é a planta que uma certa borboleta amarela (Phoebis sennae) escolhe para perpetuar sua espécie. Lembra?





Essas abelhas chegam fazendo alarde, zumbindo alto e provocando um certo receio. Não costumam atacar, mas não hesitarão em ferroar quando se sentirem ameaçadas.

Ao pousar na flor, promovem uma intensa vibração e zumbido que faz voar uma bem visível nuvem de pólen ao seu redor. Garantem assim a geração das futuras sementes.


Flagrantes

Ainda que em 10 fps e em baixa definição, vale a pena registrar o momento.

Essa aranha tem apenas um milímetro. Sua teia de pouco mais de dez centímetros de diâmetro foi feita com mais de uma centena de voltas…

Abaixo, a “veloz” joaninha:

Phoebis: o ser que nasce duas vezes

Exceto pela cor, um ovo de Phoebis sennaeLepitoptera da família Pieridae, ou seja, uma borboleta – teria pouca chance de chamar atenção.

Já assim entrega sua contribuição…

A postura é intensa, ovos são depositados durante alguns dias e em praticamente todos os botões e flores.

Como sinalizado pelo próprio nome, a Senna é a hospedeira da Phoebis sennae.

Preferência por alimentar-se das flores. Até o momento, o mimetismo é bom. Embora a ação seja predatória, diariamente há mais flores caídas e perdidas pelo chão do que consumidas por duas ou três lagartas.




Passado mais um dia, anéis escuros surgem no corpo da lagarta. E uma dúvida: a flor da Senna não dura muito na árvore e o momento em que se desprende não parece ser tão “previsível”. Embora uma lagarta talvez tenha apurado sentidos para tal, espantou-me a tranquilidade com que repousava e se alimentava sobre as flores, como se este fosse o local mais seguro do mundo. O mistério foi resolvido ao observar que as flores que haviam sido quase totalmente devoradas continuavam alí penduradas: a lagarta faz alguns percursos rodeando a flor, pedicelo e galhos deixando uma teia bem fina que serve de sustentação. A engenharia sustenta a flor de forma a não deixá-la cair mesmo após murchar, com o peso da lagarta e ainda sob ventos. Parece que aí reside a confiança da lagarta em deleitar-se sobre flores que, de outro modo, logo estariam no chão.

Abaixo, um indivíduo mais novo. A floração que ainda resta é bem pequena e, tendo sua irmã como concorrente, não parece que sobrarão flores suficientes para alimentá-la …



Mais alguns dias e a lagarta está completamente transformada: agora é uma crisálida (pupa). Engenharia, química, camuflagem (mimetismo), profundas transformações ocorrem em questão de horas. Não bastasse o intenso e complexo processo de transformação que o organismo terá de cumprir, ainda há codificação genética para que a crisálida tenha semelhança externa da própria folha de Senna (forma, textura e cor).

Sob luz artificial o mimetismo desaparece: a crisálida brilha de forma intensa, destacando-se da folhagem.
Examinando um pouco mais de perto a transformação da lagarta em crisálida…

O relógio biológico dispara seus sinais e então a lagarta terá pouco tempo para completar suas duas últimas tarefas: encontrar o local ideal para fixar-se e efetuar sua última “muda” (troca do exosqueleto), que culminará na formação da crisálida.


Por meio de uma substância adesiva resistente, a lagarta fixa-se ao ramo pela parte traseira. Pela parte dianteira, tece um “laço” também fixado ao ramo e envolvendo-a aproximadamente pelo meio. Controlado por hormônios, o processo de muda e formação da crisálida terá início. Os anéis listrados descolorem rapidamente enquanto todo o corpo da lagarta começa a ser alterado de forma abrupta.


Um rápido crescimento celular na região ventral logo abaixo da cabeça tem início. Ele toma a forma de uma “bolha” que logo percebemos ser a região que encapsulará as futuras asas. Essa é a mesma formação que mimetiza (camuflagem) a folha da planta. A postura inicial, se entendida como côncava, torna-se convexa. Desaparecem as pernas, forma-se completamente a cápsula que conterá as asas, uma ponta surge onde era a cabeça e no ventre (agora côncavo) forma-se a região que conterá as futuras pernas. Todo o processo ocorre em cerca de 3 horas.

O hormônio, responsável por iniciar o vertiginoso processo de mudança, ordena a fabricação de sucos digestivos que literalmente destroem grande parte do corpo da lagarta, transformando os órgãos internos em uma matéria cremosa: é a histólise. A histólise gera assim nutrientes, mas mantém vivas células não diferenciadas, os histoblastos.

Os histoblastos iniciam o processo de reconstrução do novo corpo: é a histogênese. Os nutrientes gerados pela histólise serão utilizados na histogênese.

A morte da lagarta dá inicio à vida da borboleta.

As intensas alterações ocorridas parecem agora dar lugar à calmaria. Nesta fase, a capacidade de movimentar-se é reduzida ao mínimo e o que se vê seria bem melhor descrito como uma folha que qualquer outra coisa.

Bem, isso é o que parece. Uma fina camada separa sua aparente calma exterior de um conturbado e frenético mundo interior. Os últimos sete dias marcaram profundas mudanças. Mudanças que irão alterar o habitat e todo estilo de vida de até então. Novos órgãos foram criados, todos desenhados para cumprir a dura tarefa de sobreviver e perpetuar-se no novo mundo. São asas, aparelho sugador especializado para o néctar, sensores nas patas, antenas ultra-sensíveis, olhos compostos e que enxergam ultravioleta, desenhos identificadores do gênero e de alerta e a capacidade de reprodução.

A dois dias da eclosão, as asas tornam-se opacas, marcando o início do processo de coloração e maturação. Também os olhos escurecem. A membrana do casulo começa a ficar translúcida. Já é possível ver as asas praticamente formadas através dela.


Quanto tempo leva uma lagarta para voar?

Infinito para ela, nove dias para nós. A natureza reserva ainda alguns segredos antes de libertá-la do casulo: aguarda a chegada das horas mais serenas da madrugada, para evitar os algozes.

Um par de horas antes a membrana torna-se cada vez mais translúcida até que a linha de ruptura se parte.

Esgueira-se por aí a mais nova borboleta do mundo.

Aqui ou em qualquer outra parte do planeta, a Phoebis sennae cumpre, da mesma forma, mais uma de suas fases, geneticamente traçadas. Responde ao vento como uma folha. Assim, o ser que nasce duas vezes aguarda a distensão e consistência das suas asas.





São três horas. Em mais três experimentará o primeiro vôo.

Fonte (principal): http://en.wikipedia.org/wiki/Metamorphosis

– A metamorfose da Phoebis sennae é dita completa (holometabolismo)
– Para quem quiser acompanhar praticamente todo o processo, sugiro ver o vídeo de jcmegabyte.

E se quiser ver ao vivo, plante uma Senna!