Fotos que contam histórias

Spathi
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O sobrevivente

C/2011 W3 – ou simplesmente Lovejoy – é o nome do cometa que sobreviveu por mais de uma hora a um dos ambientes mais agressivos que temos pelas redondezas: a coroa (corona) solar.

Lovejoy é um rasante-solar, considerado um “irmão” do Ykeya-Seki, o grande cometa de 1965 e tido como provável mais brilhante do último milênio. Chamados irmãos por derivarem de um mesmo objeto, um cometa verdadeiramente grande que se partiu há tempos remotos e deixou incontáveis fragmentos de não menos incontáveis tamanhos, todos seguindo uma órbita muito próxima a do cometa “pai”, gerando uma “família” de cometas rasantes-solares.

A cada semana, dois ou mais desses fragmentos menores são captados pelos olhos eletrônicos de sondas espacias que vivem para espreitar o Sol. Praticamente todos têm o mesmo destino: serem vaporizados. Um instante que finaliza uma existência de, provavelmente, bilhões de anos.

Se considerar que nossa estrela tem um diâmetro equivalente a duas unidades, o raio solar terá uma unidade. Um rasante-solar desses não passa a mais de 1,2 raios solares do astro-rei. É essa região, dominada por temperaturas que chegam a casa do milhões de graus celsius, acrescida da intensa radiação recebida de um sol tão próximo que faz o trabalho de subtrair mais um cometa dos céus. Nos momentos finais, os mini-cometas, que nunca foram registrados antes por qualquer instrumento humano, viram alvo fácil pois passsam a brilhar intensamente até desaparecem.

Quase todos seguem a mesma trilha. Os fragmentos maiores contam histórias diferentes. Ikeya-Seki foi um deles. Também o grande cometa de 1843 e outros. Desafiam o Sol, aproximam-se e o contornam para então retornarem aos confins do sistema solar. E nessa passagem deixam seus nomes em toda sorte de registros humanos, dos antigos aos novos, como o grande cometa que brilhou, dominou os céus e as atenções, surpreendeu e assustou, ficou visível durante o dia.

Dez entre dez especialistas apostavam que Lovejoy, apesar de um pouco maior, seguiria o destino de sucumbir ao Sol. Mas o C/2011 W3 veio para contar a sua própria história. No dia 16dez2011 contornou o Sol e não só sobreviveu, mas ressurgiu do outro lado ainda mais brilhante. Novamente, muita gente ficou espantada enquanto outras tantas precisam ainda explicar como um objeto desses resistiu aos milhões de graus celsius por mais de uma hora.

Fato é que, logo após contornar o Sol, Lovejoy tornou-se um objeto observável para os habitantes do hemisfério sul do nosso planeta, durante os momentos que antecedem o amanhecer. E posso dizer que em mais de 20 anos ele é, se não o maior, dos maiores cometas observáveis nesse hemisfério, embora não seja o mais brilhante.

Curioso como um objeto assim não tenha atraído sequer uma fração da atenção despertada pelo famoso cometa Halley, em 1986, cuja aparição foi infinitamente menos interessante. Sem contar o simbolismo natalino incorporado pelo Lovejoy. Uma justificativa é a de que a poluição luminosa das cidades praticamente impede sua visualização, mas com um brilho ligeiramente superior ao da Via-Lactea e mais de 15 graus de extensão da cauda de poeira, é objeto impressionante para qualquer zona, mesmo que apenas ligeiramente afastada dos centros urbanos. Nos céus estrelados do interior, torna-se espetáculo garantido.

Entretanto, a fase mais brilhante já passou. O cometa está afastando-se do Sol e perde brilho rapidamente, desaparecendo gradativamente à medida que os dias se sucedem. Enquanto isso não ocorre definitivamente, acordar uma hora antes do Sol nascer e um céu com pouco poluição luminosa é o suficiente para observar a mais nova “Estrela de Belém”, até que retorne… daqui a 678 anos!

O cometa Lovejoy visto de uma zona com poluição luminosa média. Foto sem pós-processamento, registrada com ISO800, F3.5, exposição de 30 segundos.

Imagem composição (3 fotos), pós-processada. A estrela mais brilhante na parte inferior esquerda é Antares, alfa de Escorpião. As duas estrelas mais brilhantes na parte superior, logo a direita da cauda do cometa são, de baixo para cima, alfa e beta Centauri (depois do Sol, alfa-Centauri é a estrela mais próxima da Terra). A cauda do cometa está sobre uma região da Via-Lactea.

Foto durante o amanhecer, ISO800, F3.5, exposição de 30 segundos, pos-processada. O ponto brilhante mais baixo e na parte esquerda dessa foto é o planeta Mercúrio (Antares está logo acima e a direita do planeta)